Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. (Tg 4.4)
Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente. (1 Jo 2.15-17)
O mundo é algo espiritual
No ensino da Palavra, há “um mundo” que se deve odiar e um que se deve amar. O mundo que se deve odiar é feito de espíritos de maldade, inveja, corrupção, malícia, manipulação, ódio, raiva, ira, perseguição e antipatia. Já o mundo que se deve amar é feito de gente, de todo tipo de gente, e tem a ver com a celebração da vida, da alegria e da comunhão, uma vez que ele é objeto do amor de Deus: a humanidade. Esse é o mundo que Deus amou em João 3.16.
O mundo não é um lugar, mas um espírito. De nada adianta nos fecharmos dentro do prédio da igreja achando que estamos nos separando do mundo. O problema não são as coisas em si, mas se o nosso coração está preso a elas.
Quando pensamos que o mundo é algo físico e exterior, assumimos a postura de muitos evangélicos para quem o que contamina o homem é o que entra pela boca, e não o que sai do coração. As coisas que entram pela boca, como comida e bebida, têm muito pouco valor espiritual, mas o que sai do coração é o que nos contamina.
Se o mundo, segundo Jesus, fosse festa, bebida, comida etc., então deveria dizer-se que Jesus era um mundano, visto que Ele comia de tudo (a ponto de lhe chamarem glutão), bebia de tudo (a ponto de ser designado como bebedor de vinho), andava com todos (a ponto se ser chamado amigo de pecadores) e não criava eventos para os pecadores de um lado e para os discípulos de outro. Ao contrário, Ele levava os discípulos para casa dos publicanos, para a festa dos pecadores, para os banquetes dos que estavam fora da religião.
Jesus também não bebia cerveja ou vinho sem álcool. O vinho que Ele criou em Caná era vinho mesmo, como convinha ser em qualquer festa. Isso sem falar que o vinho da ceia, segundo Paulo (1 Co 11), tinha o poder de fazer embriagar: “[...] ao passo que há quem se embriague”. O ensino de Paulo aos Colossenses é flagrantemente contrário ao ascetismo do tipo: “Não beba isso, não prove aquilo, não toque aquilo outro”, coisas essas que têm “aparência de sabedoria e humildade, mas não têm valor algum contra a sensualidade”, diz Paulo.
Os três aspectos do mundo: provisão, proteção e prazer
De acordo com a Bíblia, o mundo tem pelo menos três aspectos:
1. Rebelião e idolatra, tipificados por Babel.
2. Pecado e sensualidade, tipificados por Sodoma.
3. Gozo e prazer, tipificados pelo Egito.
Abraão teve de vencer esses três aspectos do mundo. Ele certamente rejeitou a idolatria de Babel e se recusou a ir morar em Sodoma, como fez seu sobrinho Ló. No entanto, lemos que ele resolveu descer ao Egito num tempo de fome, saindo da posição que Deus lhe havia designado (Gn 12.10; 13.12).
A Bíblia nos mostra que o mundo tipificado pelo Egito tem basicamente três aspectos: provisão, proteção e prazer. Essas coisas tornam-se o mundo quando Deus deixa de ser nossa fonte de provisão, proteção e prazer. Creio que é esse o aspecto principal que precisamos vencer hoje.
O mundo é constituído de qualquer coisa que toma o lugar de Deus em nossa vida. Todos reprovam se um homem se envolve na bebida e se esquece de Deus, mas ninguém se importa se alguém se envolve na literatura e poesia e se esquece de Deus. Tudo isso, porém, é mundo.
Nem sempre as coisas do mundo têm a aparência feia do pecado. Se a vontade de Deus fosse a camisa branca, o pecado seria a camisa manchada e suja, mas o mundo seria a camisa pintada com lindas estampas.
O mundo é tudo aquilo que usurpa o lugar de Deus em nossa vida. Como sabemos se algo está usurpando o lugar de Deus? Em primeiro lugar, devemos observar se somos movidos principalmente pela necessidade ou pelo desejo. Roupas são uma necessidade, mas podem virar cobiça, então se tornam mundo. Isso vale para quase todas as coisas.
O estágio quando algo deixa de ser uma necessidade e passa a ser cobiça depende do nível de vida de cada um. Para um advogado, ter um terno é necessidade. Não devemos medir o nosso padrão de acordo com o de outras pessoas, e nem elas devem se medir por nós.
Também se constitui mundo quando fazemos algo para ser aceitos pelas pessoas do mundo. Posso ter cabelo longo se isso me agrada, mas se for para ser aceito e apreciado, é mundo.
Uma necessidade também pode se tornar o mundo. Se uma necessidade nos amarra e nos impede de fazer a vontade de Deus e de nos render à sua vontade, isso também é mundo. É interessante que Jesus disse que pais, mães, irmãos, parentes, esposas, filhos e filhas podem ser o mundo para nós se deixarmos de fazer a vontade do Senhor por causa deles (Mt 19.29; Mc 10.29; Lc 18.29).
Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim. (Mt 10.37)
Assim, é possível que necessidades idênticas possam usurpar uma pessoa, mas não outra, e possam tomar o lugar de Deus numa, e não noutra. Podemos, pois, definir o mundo como pessoas, coisas e atividades incompatíveis com Deus, que tomam o seu lugar em nós, impedindo que a sua vontade se realize por nós ou impedindo o controle do Espírito em nossa vida. A Bíblia chama essas coisas de profanas.
A maneira de lidarmos com as coisas do mundo
1. Devemos lidar com o mundo com base na convicção interior recebida por meio da comunhão com o Senhor em oração. Esse sentimento deve ser o limite.
2. Devemos gradualmente consagrar cada área de nossa vida até que o Senhor toque todos os aspectos dela.
3. Devemos orar para que o nosso espírito seja cada vez mais sensível às coisas que são do mundo em nossa vida. Para isso, precisamos crescer no Senhor, pois é o nosso nível de maturidade espiritual que determina o nível de nossa sensibilidade interior.
4. Precisamos buscar a revelação do amor de Deus. O nível em que lidamos com o mundo depende do nosso amor a Deus. Quanto mais amamos a Deus, menos somos atraídos pelo mundo.
Algumas sugestões práticas
Todas as coisas são lícitas ao crente, mas nem todas convêm (1 Co 6.12; 10.23). Gostaria de sugerir quatro princípios gerais para termos discernimento da conveniência de certas coisas na vida do cristão.
a. Abstenha-se de tudo o que o mundo considera impróprio para um cristão
No mínimo, nossa vida cristã deve atingir o padrão das pessoas do mundo. Se você não atingir esse padrão, não passou no teste deles. Abraão mentiu e foi repreendido por Abimeleque. Isso é algo muito vergonhoso na Bíblia.
b. Rejeite as coisas desaprovadas por crentes fracos
No item anterior, tratamos das coisas que o mundo considera impróprias. Aqui estamos tratando de coisas que um irmão novo considera impróprias. Devemos evitar tudo aquilo que um irmão desaprova, mesmo que aquele que está desaprovando seja o mais novo e mais fraco de todos os irmãos. Este é um mandamento bíblico.
c. Deixe de lado qualquer coisa incompatível com o Senhor
O Senhor disse que o escravo não é maior que o seu senhor e que o discípulo não é mais que o seu mestre. Se o mundo tratou nosso Mestre de determinada forma, não devemos esperar que ele nos trate de outra forma. Se não somos tratados como nosso Mestre foi, algo está errado conosco e algo está definitivamente errado em nosso relacionamento com o Senhor. Não podemos dizer às pessoas o que fazer item por item. Só precisamos dar-lhes o princípio geral. O mundo é contra a cruz e é contra o nosso Senhor.
d. Devemos rejeitar tudo aquilo que nos impede de testemunhar como cristãos
Qualquer função, atividade social ou trabalho que nos leve a esconder a lâmpada debaixo do alqueire é o mundo. Não estamos tentando ser antissociais. Não somos João Batista, que não comia e não bebia. Seguimos o Senhor, que comia e bebia. Todavia, quando estamos com as pessoas, precisamos manter nossa posição. Devo manter a minha posição de cristão mesmo que os outros me critiquem.
Fonte: Didaquê — 21 Dias de Comunhão e Instrução
Pr. Aluízio Silva
Comments